Cartas da Oficina: 23
Frases de efeito
Luiz Carreira
_______________________
Olá, tudo bem contigo?
Mais uma vez me sentei aqui para te escrever uma carta e, mais uma vez, como se batesse um vento no texto, mudei de assunto e fui em outra direção.
Há textos que seguem como barco a motor, em linhas mais retas, e outros como barco a vela, mais ao sabor dos ventos, com rotas mais sinuosas, negociadas com correntes e marés.
As cartas são barcos a vela.
Pois bem, pela minha rota original, eu faria hoje uma reflexão sobre o efeito das frases de efeito, mais particularmente, as frases de efeito motivacional.
Basta um passeio pelas redes sociais, e tropeçamos em dezenas de frases de efeito ditas com moralismo retumbantes por homens e mulheres cheios de si, cheios de verdades profundas com ares proféticos. Mas, nem tudo é ruim.
Para mim, que, penosamente, também falo nas redes sociais, esse é um tema de grande interesse. Cada vez que tenho que dizer algo importante em um minuto, confesso, é difícil não me sentir ridículo.
Pois bem, eu ia por aí, escrevendo sobre essas coisas quando me veio a imagem da frase de parachoque de caminhão. Refletindo sobre as mensagens de sabedoria do instagram, lembrei das frases de caminhão. E, já adianto que o que queria dizer a respeito dessas frases de instagram ou de caminhão não seria sarcástico. Minha intenção era entender os efeitos que pode ter uma frase de efeito.
Para falar das frases de parachoque de caminhão, eu comecei a puxar um fio das minhas memórias de viagens de carro. Pois é aqui que o texto da carta pegou um atalho e mudou de rumo. Quando vi, estava narrando aquelas memórias. Vamos a elas.
Esta semana fiz uma pequena viagem de carro e, na estrada, fui assaltado… não, não por uma quadrilha, coisa tão comum neste país de bandidos, fui assaltado pela memória.
Ao cair da tarde, talvez a hora mais perigosa para dirigir, eu dividia minha atenção entre a estrada e a vasta paisagem do campo pontuada aqui e ali por uma casinha de fazenda, uma cerca de curral, um posto de gasolina. Todo esse cenário tem um inevitável poder encantatório, sobretudo quando esmaltado pela luz dourada e triste do sol do fim do dia.
Fazia tempo que eu não pegava a estrada assim, e fui, então, assaltado pela memória das viagens em família que fazíamos de carro para o sul de Minas todos os anos. Viagens de carro, primeiro no ondulante Galaxie azul de teto preto, depois na Belina, acho que vermelha.
Na parte de trás dessa station wagon, minha mãe fazia uma espécie de caminha onde viajámos confortáveis, eu e minha irmã. Ninguém usava cinto de segurança. As malas iam num bagageiro sobre o carro, cobertas por um plástico azul e amarradas com mil voltas e mil nós apertados. As panelas com frango e farofa, embaladas em panos xadrez, acho que iam aos pés dos meus irmãos no banco de trás do motorista. Não tenho certeza desse detalhe logístico, mas lembro, com clareza, dessas panelas sendo abertas e exalando o cheiro do frango frito a ser degustado com com Coca Cola numa das muitas paradas na estrada.
Eram simples viagens de férias para a casa dos avós, mas pareciam travessias épicas. Quanta coisa em nossa vida é ao mesmo tempo simples e épica a depender só da nossa atenção!
Meu pai, piloto meticuloso, conduzia o carro pelas estradas de Minas como se fosse o imenso bombardeiro B-17 Flying Fortress nos céus da Normandia. Guiava a uma velocidade média de 80 km/h. Quase não conversava durante o percurso para não se distrair.
A essa velocidade média, a viagem alongava-se, e o balanço do carro e as curvas de Minas exigiam que minha mãe estivesse sempre atenta ao ritmo das pálpebras do meu pai, antecipando o sono que ele jamais confessaria.
Ela colocava toalhas úmidas em sua nuca para despertá-lo, um artifício semelhante ao de Odisseu amarrando-se ao mastro da embarcação para não sucumbir ao canto entorpecente das sereias.
Alguém no carro, lendo as placas em voz alta, ia atualizando o itinerário: São Bartolomeu, Cristalina, Paracatu, João Pinheiro, Três Marias, Sete Lagoas, Belo Horizonte, Paraopeba, Congonhas, Conselheiro Lafaiete, Barbacena, até o momento em que avistávamos, do lado esquerdo, o caudaloso curso de água marrom, e meu pai dizia em tom solene: “A família Carreira te saúda, grande Paraibuna!”. Juiz de Fora.
Tudo era significativo.
Os momentos de ultrapassar os lentos caminhões abarrotados de sacos de carvão eram momentos tensos e perigosos. Antes de acelerar com tudo para vencer o paquiderme de mil rodas, papai fazia um pequeno balé avançando e voltando na faixa da esquerda para abrir a vista encoberta pelo monstro, e ver o que havia à frente, e calcular a distância da disparada. Às vezes, o motorista do caminhão lento nos ajudava com sinais ou abrindo o espaço suficiente para nossa segurança. Quando isso acontecia, o monstro se tornava a um amigo e, numa pequena conversa codificada de buzinas, era celebrado o alegre espírito da caridade e da gratidão humanas.
Eram só viagens de férias, mas meus pais faziam delas aventuras. Essa escolha pela aventura inscreveu-se na minha memória.
E eis que me volta o tema das frases de efeito motivacional.
E agora, antes de terminar o texto, que já vai longo (sempre me prometos escrever estas cartas mais curtas), posso voltar ao tema original, com uma frase de caminhão (ou de instagram):
“A diferença entre o ordinário e o extraordinário está nos olhos de quem vê”.
Eu sei que, apesar de verdadeira, essa frase soa piegas e meio ridícula, eu sei. Era sobre isso que eu ia escrever hoje.
As frases motivacionais mais distraem do que motivam.
Diariamente, na tela do celular, topamos com dezenas de frases de efeito, e o efeito delas tende a ser só um susto de consciência (sim, eu disse susto, e não surto).
“Caramba, que legal! Nossa, que ideia incrível! Gente, nunca tinha pensado nisso! Me emocionei, vou compartilhar, fulano precisa ouvir isso”.
Daí, a tela rola, o susto passa e, depois de causar o seu efeito de brincadeira, vai para o liquidificador do esquecimento.
Mas as frases podem sim ter um efeito motivacional quando são boas, e quando encontram os ouvidos certos na hora certa.
E o que é um ouvido certo na hora certa?
É quando quem ouve não toma um susto, mas reconhece algo ali que é seu, que ressoa uma verdade amadurecendo dentro de si. A frase, como uma boa obra de arte, dá forma à experiência para que seja, então, colhida pelo entendimento e recolhida no coração.
Quando isso acontece, aquela frase deixa de dar apenas um empurrãozinho motivacional de brincadeira e pode funcionar como combustível para o motor verdadeiro da inteligência e da vontade.
Me lembrou demais das minhas viagens se carro na infancia!
Adorei! <3